HomeOPINIÃO'Sim, no meu quintal', por Basilio Jafet

‘Sim, no meu quintal’, por Basilio Jafet

Não há mais espaço para defender a segregação do tecido urbano

*Basilio Jafet – Presidente do Secovi-SP (sindicato do setor de habitação), autor de artigo veiculado no dia 23 de junho no jornal Folha de S. Paulo

Um dos bons legados do Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014, na cidade de São Paulo, foi a criação dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (ZEUs). A lógica: orientar o crescimento da cidade nas proximidades do transporte de massa. O foco: melhorar a mobilidade e otimizar o investimento público por meio do adensamento ao longo desses eixos, possibilitando a democratização da infraestrutura e a melhoraria da qualidade de vida das pessoas.

Uma ideia excelente, não fossem alguns equívocos cometidos pelo próprio PDE que comprometeram sua eficácia: apartamentos obrigatoriamente compactos (inadequados a famílias maiores) e perímetro dos eixos com área equivalente a apenas 4% do território da capital paulista, restrição que limitou em muito a oferta, estimulando proprietários de terrenos a elevarem os preços. Resultado: aumento do custo, aumento de preço, unidades adquiridas por pessoas com renda média e alta.

Encrave de casas resiste à incorporação imobiliária em Pinheiros

As ruas Estela Sezefreda, Dr. Phidias de Barros Monteiro e Pascoal del Gaizo, esta transformada em vila, estão a duas quadras do metrô Fradique Coutinho, em Pinheiros  – Eduardo Knapp/Folhapress

Os mais pobres continuaram (e continuam) endereçados às periferias. A proibição de um melhor aproveitamento dos miolos de bairros impediu o aumento da oferta de terrenos e a concorrência saudável para mitigar a especulação dos proprietários de lotes nos eixos.

Neste ano, com o início das discussões necessárias ao diagnóstico que dará base à revisão do PDE, temos coletivamente a chance de fazer escolhas. Escolher entre corrigir ou deixar tudo como está —o que, certamente, não conversa com a maioria dos paulistanos, mas apenas com alguns, que, devidamente instalados em suas moradias, não querem dividir espaço. Os chamados Nimbys (acrônimo para a expressão em inglês “not in my backyard” —ou “não no meu quintal”), que se movimentam vorazmente contra a instalação de novas habitações em sua vizinhança. Os Nimbys propugnam que fazem isso contra os interesses do mercado imobiliário e a favor dos interesses da cidade. Uma narrativa falaciosa. Não existe essa de interesses de um e de outro. A cidade é um corpo único, que sangra ao ser cortado. Um sangue que, hoje, escorre pelas extremidades. As extremidades do município, para onde são expurgados milhões de trabalhadores que, embora respondam significativamente pelo movimento de nosso metabolismo urbano, na hora de morar são extirpados como um corpo estranho.

Edifício na zona leste de São Paulo se destaca na paisagem

O Figueira Altos do Tatuapé está em fase de finalização; com 170 m de altura, ele será o residencial mais alto de São Paulo – Eduardo Knapp/Folhapress

Objetivos do atual PDE certamente serão preservados na revisão do diploma legal. Ter uma cidade mais democrática, inclusiva, produtiva, sustentável, com bem-estar. O alcance desse ideal não precisa permanecer uma quimera. É possível ajustar, trazer as pessoas mais para perto, oferecer unidades acessíveis por um mercado cuja produção, vale salientar, é 60% hoje direcionada às famílias enquadradas no programa Casa Verde e Amarela.

Além de legislações, a cidade pede mudança de mentalidade por parte daqueles que insistem em ser Nimbys. Essa atitude não tem mais lugar; impõe sacrifícios a pessoas que são seus iguais. Devem entender, ainda, que estão na contramão do que vêm fazendo cidadãos em todo o mundo, os quais reconheceram que segregar não é o caminho. Tornaram-se Yimbys (“sim, no meu quintal”). Que as leis e um novo jeito de pensar coloquem moradia e infraestrutura ao alcance de todos.

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