por Latif Abrão Jr.
Talvez você considere o título deste artigo um tanto excêntrico. Presos a um cotidiano muitas vezes massacrante e repleto de desafios, nem sempre conseguimos enxergar relações que podem enriquecer nossas atividades e dar-nos uma visão mais plena do universo gerencial.
Mas, afinal de contas, qual o lugar da poesia no campo de conhecimento e na práxis administrativa? Foi com esta pergunta que iniciei meu ensaio “Administração & Poesia”, publicado em 2013 pela L2M, com prefácio do escritor, jornalista e editor, Marcos Barrero. O estudo, fruto de um anseio particular e vasta pesquisa, visa analisar “as implicações da arte poética na administração.”
Neste texto, apresentarei algumas das reflexões que desenvolvi durante essa busca pelas pontes entre a atividade administrativa e a poesia. Reflexões estas, relacionadas com minha própria experiência de mais de 30 anos como administrador e “recluso poeta diletante”.
Preâmbulos sobre administração
De início, vale realizarmos uma breve imersão sobre administração em si. Conceituar a administração, é bom que se diga, não é uma tarefa simples do ponto de vista teórico e acadêmico. Muito embora faça parte da realidade social e impacte diretamente na vida das pessoas, o fato é que há diversos debates sobre a natureza da atividade administrativa – se ciência, se profissão ou mesmo se vocação.
Feita a ressalva, penso que podemos admitir a “administração como uma profissão e um amplo campo de conhecimento adequado à aplicação de várias ciências.” Durante o ensaio Administração & Poesia, combato ainda a visão do saber administrativo enquanto mero instrumento técnico ou atividade centrada somente na busca pela eficiência.
Sim, se espera do administrador que “faça acontecer”. Todavia, este movimento, tal e qual o movimento do artesão, pode vir carregado de autenticidade. A subversão de um paradigma exclusivamente tecnicista, visando uma abordagem mais holística e abrangente da administração, é crucial para o próprio futuro da atividade e se conecta com os novos valores inseridos na dinâmica de organizações contemporâneas: autorreferência, autonomia, liberdade, participação e significado.
O fazer poético
A poesia, por sua vez, é a “linguagem do sentimento”, é insubmissa, subversiva, expressa o eu poético por meio da palavra, possui uma visão sistêmica, holística e intuitiva, apresenta ritmo, tempo, métrica, síntese, e se produz por meio do trabalho, da busca pela harmonia e pela beleza.
É interessante observar aqui que, do mesmo modo que se exige cada vez mais nas organizações, um espírito criativo para solucionar problemas e criar o novo para o mercado, no âmbito da criação poética, simplesmente não há poesia, quando não há criatividade. Além disso:
“Forma e conteúdo (em poesia) não podem ser separados, pois constituem um todo que é a arte. Neste contexto, o poema representa a síntese de uma visão de mundo. O mesmo se pode dizer da gestão, uma vez que os resultados que produz também sintetizam uma visão própria de mundo.”
O encontro de duas artes
Durante os parágrafos anteriores, já foi possível vislumbrar alguns paralelos entre poesia e administração. Quando falamos destes fazeres, a conclusão central que chego é que ambas são formas de arte, posto que tanto poesia, quanto administração, “são formas de criar, de revelar o invisível das coisas”.
As duas atividades “atuam, criam, provocam mudanças” e ambas exigem, sim, certo conhecimento técnico, “mas a criação a originalidade, a inovação e o resultado final dependem mais do nível de desempenho.”
Acredito ainda que a poesia pode ser tomada como um campo ímpar para o próprio entendimento e compreensão do fazer administrativo, “possibilitando ao administrador uma visão sistêmica e autorreferenciada, qualificando seu papel de artesão das organizações.” A poesia oferece um contrapeso importante para visões puramente econômicas no mundo dos negócios e posiciona adequadamente “a dimensão humana nas organizações”.
Conclusão
Para concluir, vale salientar que o objetivo de meu estudo não foi o de transformar administradores em poetas, mas sim, oferecer uma possibilidade de visão menos mecanicista da atividade administrativa. Ademais, por experiência própria, posso afirmar que a poesia só trouxe valores positivos para a minha atuação gerencial. É como ressalto em meu ensaio:
“Sem os intervalos criativos do fazer poético teria sucumbido à toxidade da dinâmica organizacional e muitos dos resultados alcançados não teriam existido.”
Latif Abrão Jr,
Presidente da ADVB